Neste artigo, o colaborador do Blog e advogado, Rivelino Liberalino analisa a recente prisão de uma figura pública para discutir o desgaste das instituições brasileiras e o contraste entre o que o poder mostra e o que tenta esconder. Com reflexões filosóficas, o texto aponta que a verdadeira prisão recai sobre autoridades que perderam legitimidade, enquanto expõe a crise de credibilidade do sistema de Justiça e seus reflexos internacionais. Veja:
Há dias que revelam mais do que gostariam os protagonistas do poder. A política brasileira, tão acostumada a se mover entre sombras e holofotes vacilantes, voltou a expor seu roteiro mais grave: a distância entre o que se anuncia ao público e o que realmente acontece atrás das cortinas. A prisão de uma figura pública adoecida, marcada por um atentado que deixou sequelas permanentes e que ainda provoca internações frequentes, reacendeu a percepção de que, no Brasil, decisões que deveriam expressar equilíbrio institucional às vezes refletem algo mais profundo e inquietante: a reação de um sistema que resiste quando alguém expõe demais.
Não é apenas um corpo levado ao cárcere. É um símbolo. E símbolos, quando incomodam, revelam muito mais sobre quem tenta controlá-los do que sobre quem os representa. A ironia trágica é que, em meio ao espetáculo do poder, a verdadeira prisão não se encontra onde dizem estar. Há homens que enfrentam celas, mas continuam livres na consciência pública. E há autoridades que ocupam funções elevadas e, mesmo assim, vivem confinadas por medo, vigilância e insegurança, presos a uma responsabilidade que não conseguem sustentar diante do próprio espelho.
Epicteto, escravo por condição, explicou há dois mil anos o que hoje se torna evidente no Brasil: a pior prisão é a interior. Ela não precisa de muros, grades ou guardas. Basta a angústia de quem sabe que já perdeu a legitimidade. Viktor Frankl, sobrevivente do horror humano, ensinou que a liberdade verdadeira nasce de dentro, mesmo quando tudo ao redor oprime. É por isso que, hoje, a sensação de encarceramento pesa muito mais nos gabinetes do poder do que nas celas de quem se tenta calar.
A cena institucional do país, que deveria ser o último refúgio de sobriedade, atravessa uma fase de exposição desconcertante. O comportamento tenso, as manifestações emocionadas, as reações intempestivas e os afastamentos discretos compõem um retrato que contrasta com a liturgia do cargo. Quando a população começa a enxergar o sistema de Justiça como espetáculo, não como instituição, o desgaste deixa de ser momentâneo e passa a ser histórico. Já não é apenas uma crise. É um diagnóstico.
Somam-se a isso os reflexos externos. Medidas internacionais de responsabilização, como as previstas em legislações semelhantes à Magnitsky, começaram a provocar desconforto real. Bancos pedindo explicações, silêncio diplomático onde antes havia convites, agendas discretas substituindo os eventos vistosos de outros tempos. A observação internacional não se restringe a manchetes; ela produz consequências que o país começa a sentir.
O episódio de hoje, portanto, não se esgota em si mesmo. Ele revela um país diante do espelho, confrontado com a fragilidade das instituições que deveriam inspirar confiança. Quando se prende alguém debilitado, enquanto os responsáveis pelo julgamento enfrentam questionamentos crescentes, não é o indivíduo que está verdadeiramente no centro da discussão, mas o sistema que tenta preservá-lo de si mesmo. E a história, implacável e silenciosa, registra tudo. Ela não concede prazos, não aceita embargos, não sofre pressão. Ela observa. E, no momento certo, julga.
No fim, resta a verdade simples e contundente: há homens que, mesmo encarcerados, preservam a liberdade interior diante do povo. E há autoridades que, mesmo cercadas de estruturas e poderes, já não conseguem ocultar a prisão invisível que carregam. É essa a tragédia do teatro do poder. E é a partir desse espetáculo que o país precisa perguntar, com honestidade: quem, de fato, está realmente preso?
Rivelino Liberalino
Fonte:Carlos Britto